Para montar uma carta é preciso pensar em toda uma arquitetura para que nenhum dos tijolos sobressaia e nenhuma estrutura fique com pouca massa
Em bares e restaurantes que investem bastante na sua coquetelaria, montar o menu de drinques exige inúmeros cuidados: quais clássicos manter? O que colocar na lista de autorais? E, claro, qual história queremos contar através desse projeto?
Confira os relatos de três grandes profissionais de bar sobre como eles pensam as suas cartas na hora de repaginar o negócio.
Ser o chef por trás do único bar brasileiro no ranking do 50 Best Bars não é fácil, demanda muita estratégia, diversificação e, sobretudo, contar uma história através da sua carta de coquetéis. “A nossa carta de drinques sempre tem uma mensagem para passar, ela não é só uma lista de produtos com preço. Com a conquista do prêmio, tentamos sempre provocar e mover as pessoas com um desafio intelectual”, conta o chef e proprietário do Tan Tan, Thiago Bañares.
Para ele, o reconhecimento internacional vem com um dever: o de passar para o público um pouco da história do bar através das bebidas, sempre incluindo ingredientes brasileiros e tropicais, com toques japoneses, que estão na essência do Tan Tan.
Além disso, Bañares reconhece que, pela popularidade, muitas vezes, o seu bar é responsável pelo primeiro contato do cliente com a coquetelaria. Desse modo, mostrar o universo para o freguês, incluindo as grandes famílias, como os highballs, martinis, sours, aperitivos e mocktails, foi uma preocupação do chef.
Entre tudo isso, nunca pode faltar um drinque com cachaça, ingredientes asiáticos e ter espaço para coquetéis não-alcoólicos e outros com gradação alcoólica mais alta, por exemplo. Quanto aos clássicos, Thiago destaca que essa base é sempre importante, justamente por mostrar o nível de qualidade do que está sendo executado fora do “storytelling autoral”.
Mia Rossi, mixologista que comanda o Bar dos Arcos, no subsolo do Theatro Municipal de São Paulo, por sua vez, conta que a primeira coisa que considera ao montar um novo menu de drinques é a estrutura de variados perfis de sabor, além de variar texturas e gradação alcoólica.
“Além disso, eu tento sempre entregar os destilados mais conhecidos e disponíveis no mercado, bem como trazer vinhos, vinhos fortificados e outros tipos de fermentados para compor, mas tudo isso depende muito do perfil de cada casa.” Apesar da diversidade, duas coisas são figurinhas carimbadas no balcão: vinho de jerez e ingredientes umami.
Em relação aos clássicos, ela conta que sempre tenta trazê-los, mas fugindo do óbvio, com o intuito de apresentar ainda mais drinques para os clientes. Quanto à história contada através dos autorais, a mixologista defende que “todo coquetel ou prato, de alguma forma, conta uma história, seja da sua vivência, da sua cultura ou de algo que você esteja interessado ou estudando”.
Ela destaca, ainda, que o perfil da casa interfere bastante nesse pensamento, tudo tem que ter a ver com a cara e as propostas do bar. Os nomes dos drinques, por exemplo, têm que estar ligados com o conceito da casa. “É preciso pensar sobre onde ela se encontra e o que queremos contar, por exemplo. Nessa nova temporada do Arcos, mantemos o formato de uma carta colaborativa entre eu e os bartenders e estamos usando a história do próprio Theatro Municipal, afinal, estamos nele.”
Já o chefe de bar do Rosewood São Paulo, Gabriel Bressane, revela que, quando vai elaborar uma nova carta, a primeira coisa que faz é um brainstorming no papel. “Eu anoto tudo que vem em mente sobre qual menu ou conceito quero criar. Penso no que pode envolver formas geométricas, ecossistemas, ingredientes, local, era, cultura, cores e muito mais. A partir disso, analiso como esses tópicos se conectam para criar o meu ponto de partida.”
Dentro de toda essa linha de pensamento, o storytelling é essencial. “É a chave para conectar o nosso menu com o cliente e fazer com que ele tenha uma experiência memorável. No Rosewood, por exemplo, tudo é alinhado à filosofia do grupo que visa sempre trazer elementos de identidade e cultura locais. Portanto, incorporo ingredientes e insumos típicos do paladar brasileiro.”
Quando os assuntos são os clássicos, Bressane afirma que “eles são base da coquetelaria e meu ponto de partida para desenvolver receitas autorais equilibradas”. Sobre tê-los ou não, ele defende que não há uma regra, inclusive, alguns drinques tradicionais nem precisam estar na carta, basta solicitar ao bartender caso os queira por fora do menu, uma vez que, “teoricamente, todo bar deveria ter os ingredientes para executá-los”.
Quanto às bases alcoólicas fundamentais, ele conta que sempre inclui pelo menos um coquetel por destilado que tem acesso. No caso do bar Rabo di Galo, dentro do hotel, a cachaça está inserida em três dos dez coquetéis autorais. Ah, e o que não pode faltar de jeito nenhum é um coquetel inspirado em dry martini.
Para finalizar, Bressane conta que, para nomear os drinques, a inspiração pode vir dos ingredientes, elementos, formato das frutas e guarnições, local onde o ingrediente é encontrado e mais. “Não existe regra, mas precisa ter coerência.”
Fonte: Estadão
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