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Sommelier brasileira lança primeiro livro em língua portuguesa sobre vinho natural

A obra de Lis Cereja explora as nuances dos vinhos naturais, em um mercado que cresce rapidamente refletindo a busca por práticas sustentáveis e saudáveis 

Existe um movimento cada vez maior de escolhas para uma alimentação mais saudável. O que já era tão comum quanto ao que se come, parece ganhar novos contornos sendo aplicado ao que se bebe. No segmento alcoólico, o mercado de vinhos naturais vem ganhando destaque, com previsão de alcançar 24,5 bilhões de dólares até 2028, segundo relatório do Organic Wine Market Forecast. Esse crescimento ocorre mesmo com muitos consumidores ainda desconhecendo as diferenças entre vinhos orgânicos e convencionais ou ainda resistindo a essas inovações. No entanto, as barreiras vêm sendo quebradas. 

“O cenário do vinho natural no Brasil é, sem dúvida, um mercado em ascensão. Basta pensar que a Feira Naturebas começou com 100 visitantes e, hoje em dia, recebe cerca de 3 mil. A quantidade de importadoras também cresceu bastante, agora são centenas de importadoras especializadas, além de muitos produtores adotando práticas naturais, orgânicas e biodinâmicas. Quando eu comecei, existiam apenas três produtores nessa linha, e hoje já temos centenas”, conta a sommelier e fundadora da Enoteca Saint Vin Saint, em São Paulo, Lis Cereja.

Ela é autora do livro Vinho Natural (Editora Afluente), que chegou ao mercado recentemente e é a primeira obra no Brasil dedicada ao universo do vinho natural, orgânico e biodinâmico. Resultado de quase duas décadas de pesquisa e experiência da autora nesse campo, a publicação oferece uma abordagem abrangente e detalhada sobre os aspectos mais relevantes desse tema, desmistificando tópicos que muitas vezes geram confusão entre os apreciadores.

Lis esclarece dúvidas frequentes: o vinho natural deve ser consumido jovem? Vinhos orgânicos e biodinâmicos são a mesma coisa? Descobrimos que ambos usam uvas sem agrotóxicos, mas a produção biodinâmica leva em conta o calendário lunar e a astrologia, algo que ganha atenção especial na obra. A autora ainda explora a história e oferece explicações técnicas sobre o fascinante universo dos vinhos naturais.

À ProWine São Paulo, a autora revela que jamais planejou escrever o primeiro livro brasileiro inteiramente dedicado ao universo do vinho natural. No entanto, o projeto acabou surgindo naturalmente, fruto de sua trajetória de 20 anos na área. Filha de professores de português e escritores, ela cresceu em um ambiente de literatura e educação, publicando seu primeiro livro sobre vinhos em 2010. Ao longo dos últimos 15 anos, sua experiência com vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos amadureceu e acabou sendo o embrião dessa nova obra.

“Sempre falo que compilei tudo que estudei, vivi, degustei. As pessoas que eu conheci, principalmente como o movimento do vinho natural amadureceu nesses últimos 15 anos. Não existia uma obra em língua portuguesa na América Latina sobre esse tema e hoje em dia a América Latina está em destaque, especialmente pela nossa ancestralidade e modos de produção. Esse livro é uma maneira de devolver ao mundo o que acontece por aqui”, destaca a autora.

O processo de reunir quase duas décadas de estudos e experiências para o livro foi bastante espontâneo, já que Lis sempre alimentou blogs e sites com textos sobre vinhos naturais, sendo essa uma das poucas fontes de informação sobre o tema por muito tempo. Com mais de 800 artigos publicados no blog da Enoteca, a decisão de compilar e estruturar esse material veio no início de 2024, visando oferecer um conteúdo consolidado para quem deseja entender o movimento, sua história, e as diferenças entre vinho natural, orgânico e biodinâmico.

O público-alvo do livro vai além dos apreciadores de vinho e de vinho natural; inclui também aqueles interessados em questões artesanais, agroecológicas, na história da agricultura e em modos de vida mais saudáveis. A mensagem central, segundo a autora, é estimular um olhar renovado para práticas de produção e consumo que promovem mais saúde e sustentabilidade.

“Meu livro se diferencia de outros materiais principalmente por ser o único em língua portuguesa e por ter uma autora latino-americana. Existem bem poucos livros falando sobre vinho natural no mundo, talvez meia dúzia. Dois grandes nomes de autoras que cito, por exemplo, são Alice Feiring e Isabelle Legeron, uma francesa e uma londrina. O processo de pesquisa, na verdade, não existiu para o livro, ele sintetiza todo o meu trabalho. São 20 anos falando sobre isso, pesquisando e escrevendo”, garante Lis.

Desmistificando o vinho natural e suas nuances

Ela ressalta que um dos principais mitos sobre vinhos naturais é a crença de que eles não duram sem a adição de conservantes. Trata-se de uma ideia equivocada, já que, antes de 1950, não havia adição de sulfitos ou conservantes sintéticos nos vinhos. Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que conservantes, incluindo o dióxido de enxofre (SO2), começaram a ser utilizados na vinificação e na indústria alimentícia.

Para a autora, o principal desafio na produção do livro foi tornar acessíveis e didáticos conceitos complexos, como aditivos enológicos e práticas sustentáveis. Optou-se por abordar o básico, explicando as diferenças essenciais e incluindo muita história da agricultura e dos movimentos de resistência agrícola, para facilitar a compreensão do leitor. Lis acrescenta que simplificou alguns temas com a intenção de aprofundar conceitos específicos em futuras obras.

O livro também destaca que os “movimentos de resistência sustentáveis” são fundamentais, especialmente aqueles ligados à agricultura, como a orgânica, a biodinâmica e a permacultura. Liz enfatiza que o vinho natural é um movimento de resistência que surgiu na década de 1980 em resposta à industrialização do vinho.

Quanto ao papel dos pequenos produtores e vinhateiros independentes, a sommelier explica que a sustentabilidade no mercado de vinhos depende da diversificação da produção. Para Lis, é fundamental retornar a um modelo onde mais pessoas produzem menos, evitando os problemas associados à monocultura e à indústria. A presença de pequenos produtores familiares, que cultivam uma variedade de produtos, é essencial para um sistema de produção e consumo saudável, reforçando a importância da manutenção desses produtores dentro do movimento do vinho natural.

Fotos traduzem a essência do vinho natural brasileiro e são de autoria Fábio Knoll

As fotos do livro são do fotógrafo e cineasta Fábio Knoll, parceiro de Lis no documentário FreeRange doc. O ensaio foi feito entre 2018 e 2021 com alguns dos principais vinhateiros do movimento do vinho natural brasileiro. Ela menciona que Knoll é um artista que trabalha apenas com luz natural, o que traz uma abordagem poética às suas fotografias. A ideia inicial era produzir um curta-metragem sobre os desafios enfrentados pelo vinhateiro Eduardo Zenker, mas, ao entrevistar outras pessoas, o projeto evoluiu para um documentário de duas horas sobre o movimento do vinho natural e questões relacionadas à agricultura limpa.

Lis destaca que as fotos do documentário FreeRange refletem a essência do vinho natural brasileiro, capturando a beleza e o sofrimento envolvidos na produção. As imagens transmitem o “sangue da terra” e a conexão intensa entre o vinho e as dificuldades enfrentadas pelos vinhateiros. 

“As fotos traduzem muito a essência do vinho natural brasileiro; elas são sofridas, dolorosas, têm sangue”, afirma a autora, ilustrando a complexidade emocional por trás do movimento. Além disso, ela confirma sua participação no processo criativo, mas atribui todo o mérito a Knoll, descrevendo-o como um “gênio da arte”.

Lis vê o futuro dos vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos de forma otimista, afirmando que “hoje já existe uma tendência, já existe uma moda”, e acredita que “cada vez mais o vinho natural vai ser o normal”, assim como a comida artesanal e orgânica. Ela destaca que essa mudança será impulsionada pela “necessidade do planeta” e da “nossa espécie de se manter viva”. Apesar dos desafios a serem enfrentados, ela acredita que “o futuro tenha muito mais a ver com vinho natural do que com o próprio vinho convencional”.

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